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09/07/2013

Medicalização - A Mordaça das Inquietações Humanas

por Liége Lise (psicanalista)

Uma nota divulgada pela Anvisa em fevereiro deste ano aponta um crescimento de 75% no consumo do medicamento cloridrato de metilfenidato, mais conhecido como Ritalina, em crianças com idade de 6 a 16 anos, entre 2009 e 2011, no Brasil. 

A medicação é utilizada no tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O diagnóstico de hiperatividade ou déficit de atenção é dado a partir dos seguintes sintomas: 

a criança apresenta dificuldade em prestar atenção na aula, desinteresse pelo que está sendo falado pelo adulto, falta de foco e concentração para desempenhar a atividade proposta, sinais de ansiedade para falar, esquecimento, dificuldade em manter-se sentada e tendência a “sonhar acordada”.

Antes de rotular a criança como hiperativa ou desatenta e oferecer, como única alternativa, algum medicamento, caberiam algumas reflexões: cabe ao médico a tarefa de estabelecer o que seria um padrão de normalidade e normatizar os comportamentos de ensino-aprendizagem da criança? 

Dada as profundas mudanças causadas pela revolução tecnológica, a escola não precisaria rever sua função, promover mudanças na sua prática de ensino e na concepção do que é educar para um novo mundo? 

Não estaríamos transformando em patologia questões culturais que pedem mudança de postura e, ao medicarmos as dores humanas, nos eximindo de responsabilidade diante dos novos desafios na educação dos filhos?

Do contrário estaremos agindo como naquela história em que foram vestir o santo, mas, como a roupa havia sido lavada, encolheu e ficou curta. Então, a solução encontrada foi serrar as pernas do santo. 

No caso do TDAH, precisamos compreender o porquê desse crescimento significativo entre as crianças e questionarmos se a medicação, no caso a Ritalina, - a conhecida droga da obediência -, deve ser a principal forma de tratamento.

Uma das maiores referências médicas no tratamento de TDAH, o Dr. Ned Hallowell, psiquiatra infantil e autor de livros best-seller no assunto, mostra-se preocupado com o crescimento alarmante do diagnóstico da doença entre as crianças em idade escolar nos Estados Unidos. 

Em recente matéria publicada no jornal The New York Times, afirmou: “Agora é o momento de chamar a atenção para os perigos que podem estar associados a diagnósticos feitos de forma descuidada. Nós temos crianças lá fora usando essas drogas como anabolizantes mentais – o que é perigoso, eu odeio pensar que desempenhei um papel na criação desse problema”.

Escutar e observar o que cada criança quer dizer, através de seu comportamento tido como desajustado, é não silenciar os conflitos inerentes a construção da vida. É um convite a lidarmos com nossas angústias de forma criativa. 

Do contrário, estamos reduzindo temas humanos a questões biológicas e orgânicas e, transformando em doença nossas expressões subjetivas e existenciais. 
fonte: IPLA

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