HELENA POLAK – Uma sobrinha começou a apresentar comportamentos muito preocupantes, gerando mágoas e ressentimentos. O comportamento dela foi chocante, porque ela começou a mentir, a dizer que não era filha de seus pais, a ter um temperamento agressivo, certa paranoia em relação a todo mundo. Foi impactante. Por esse motivo, saí em busca de explicações para as possíveis causas de tais comportamentos. Sou leiga, mas o livro é dirigido principalmente a outros leigos que ficam perplexos com situações semelhantes às que vivi. O objetivo é ajudá-los para que não precisem partir da estaca zero à procura de respostas, como eu.
ENCONTRO – Existe esperança de melhora para quem sofre do transtorno?
HELENA POLAK – Sim, sem dúvida. Apesar de às vezes chegar a ser uma condição grave, com comportamentos perigosos e desordens familiares profundas, inúmeras pessoas portadoras desse transtorno conseguem atingir excelente grau de recuperação, e seus relatos fascinantes e inspiradores podem ser encontrados em grande quantidade na internet, em livros (como The Buddha and the Borderline, por enquanto somente disponível em inglês) e outras fontes como blogs. Muitas pessoas também encontram equilíbrio e realização em atividades que envolvem a prestação de ajuda aos outros, como enfermagem, assistência social e voluntariado.
ENCONTRO – As pessoas que apresentam os sintomas têm consciência disso?
HELENA POLAK – Há muita dificuldade. A pessoa carrega um peso muito grande de vergonha, se sente imperfeita. Então, qualquer coisa que digam, que saliente essa imperfeição, vai desequilibrar suas emoções. A pessoa tem uma sensibilidade emocional exacerbada e reage em dobro a qualquer coisa que seja semelhante a uma crítica. Simplesmente não se dão conta disso, e a origem é neurobiológica. Quem presencia as expressões dos sintomas borderline geralmente são os familiares. As pessoas com o distúrbio são muito inteligentes, conseguem enrolar perfeitamente qualquer um.
ENCONTRO – Como o parente, companheiro ou amigo de alguém nessa situação deve agir?
HELENA POLAK – A primeira coisa que tem de fazer é mudança interna, pessoal, para não impor suas convicções. É preciso respeitar a diversidade da bagagem emocional, biológica e vivencial do outro. Se você abordar diretamente e de forma lógica o problema com quem sofre dele, provavelmente haverá muita resistência. Isso não quer dizer que você vá abrir mão dos seus conceitos, simplesmente vai entender que a outra pessoa não tem condições de se controlar, que ela não sabe o que faz nem porque, é movida pelas emoções e está sofrendo. Primeiro, temos de entender o sofrimento do outro, mesmo que aquilo respingue sobre nós de maneira altamente indesejável. A compreensão e a compaixão são elementos indispensáveis.
ENCONTRO – O que é o transtorno de personalidade limítrofe, borderline?
HELENA POLAK – Essencialmente, é uma incapacidade de regular as próprias emoções. É um distúrbio comportamental ainda pouco compreendido, envolvendo alta reatividade emocional. As pessoas que nascem com essa vulnerabilidade biológica tendem a reagir mais intensamente a níveis de estresse inferiores em comparação com a maioria das pessoas, e levam mais tempo também para voltar ao prumo. Pesquisas recentes apontam cada vez mais para o modelo biossocial como a causa, ou, em outras palavras, algumas pessoas nascem com uma pré-disposição biológica para apresentar o transtorno, o qual poderá manifestar-se ou não, dependendo dos eventos e influências da vida. O padrão mais comum é de instabilidade no início da idade adulta, com episódios de sério descontrole afetivo e impulsivo e altos níveis de utilização de serviços de saúde mental. Durante a faixa dos 30 a 40 anos, a maioria dos indivíduos com o transtorno adquire maior estabilidade em seus relacionamentos e trabalho profissional.
ENCONTRO – Há casos de pessoas famosas com o transtorno?
HELENA POLAK – O pintor van Gogh [holandês, 1853-1890] exibiu ao longo de sua vida sintomas consistentes de transtorno de personalidade borderline: impulsividade, oscilações de humor, comportamento autodestrutivo, medo de abandono, autoimagem desfocada, conflitos com autoridade e relacionamentos complicados. Mais recentemente, provavelmente a Lady Di [princesa Diana, 1963-1997] era borderline, mas é difícil afirmar que ela sofresse efetivamente do transtorno, mesmo apresentando alguns comportamentos associados a ele, porque, se foi correta e efetivamente diagnosticada como tal, não o admitiu em público e, portanto, são meras especulações.
ENCONTRO – Quais as principais diferenças para o distúrbio bipolar e como identificar isso no dia a dia?
HELENA POLAK – Pessoas diagnosticadas com borderline que agora estão em recuperação informam que geralmente o humor delas oscila com maior frequência dentro de um espaço menor de tempo do que outras que foram diagnosticadas com distúrbio bipolar – mas somente um profissional qualificado da área de saúde mental pode fazer o diagnóstico correto. O nome original foi cunhado em 1938 por um psicólogo norte-americano que buscava definir o conjunto de sintomas, colocando o borderline como um transtorno “fronteiriço” entre duas patologias (a neurose e a psicose).
ENCONTRO – Como é feito o diagnóstico?
HELENA POLAK – Primeiro, é importante lembrar que todos nós temos momentos de “desregulação” emocional. Mas, quando os traços de personalidade se acentuam demais, tornando-se incoerentes, inflexíveis, não adaptados à realidade habitual, prejudicando o bem-estar pessoal, familiar ou social do indivíduo é que se considera que haja um distúrbio ou transtorno de personalidade. Entretanto, a falta generalizada de conhecimento sobre este transtorno faz com que seu diagnóstico por profissionais da área de saúde mental demore muitos anos, atrasando a possibilidade de um tratamento adequado.
ENCONTRO – E o tratamento?
HELENA POLAK – Uma vez oficialmente diagnosticado o transtorno, o paciente é geralmente tratado com uma combinação de estabilizadores de humor e antidepressivos; e terapias de eficácia comprovada, como a baseada em mentalização, sendo que todas visam a ajudar a pessoa a reconhecer, diferenciar e separar os seus próprios pensamentos e sentimentos daqueles que a rodeiam. Algumas das técnicas para aliviar o estresse são as mesmas da terapia do borderline, como a da “Atenção Plena”, que é você se concentrar no presente, sem julgar e sem se preocupar com o passado ou com o futuro. É mais difícil do que parece. A pessoa deve adquirir mais objetividade sobre o que a está incomodando.
ENCONTRO – Qual é o próximo projeto?
HELENA POLAK – Estou adiantada na escrita de um livro especificamente para quem sofre do transtorno, abordando a demora incrível para ter o diagnóstico e o tratamento. Na Europa e nos EUA, por exemplo, os psicanalistas simplesmente fazem experimentos com os pacientes, testando remédios. Nesse livro, não vou chamar o transtorno de borderline, mas de alta sensibilidade emocional, algo que os artistas também têm, pois para eles tudo impacta em dobro. Será dirigido aos borderlines para que possam identificar os sintomas e começar a tomar medidas necessárias eles mesmos. Para que possam aprender a controlar suas emoções e ter uma vida melhor, porque eles sentem uma angústia tremenda, fazem a família sofrer e não têm a ajuda adequada. Sai daqui a dois meses, no máximo.
(Segunda parte da entrevisa publicada na Revista Virtual Encontro)
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